quinta-feira, 28 de julho de 2011

QUALIDADES E DEFEITOS DE UM TEXTO ESCRITO

A BUSCA DA EXPRESSÃO[1]

Nada mais penoso para mim que a busca da expressão adequada, da propriedade vocabular. Há mil maneiras de dizer uma coisa e só uma é perfeita. Para descobri-la, a gente pode levar a vida inteira. Levei exatamente trinta anos para encontrar o final certo da novela O bom ladrão.

Acredito que escrever seja, basicamente, cortar. O supérfluo. Eliminar repetições, ecos, rimas, cacófatos, redundâncias, lugares-comuns. Mas principalmente o excesso como diz Otto (ou Unamuno, não me lembro), é preciso não duvidar da inteligência do leitor. Tenho a impressão de que, ou ele me valorizaria muito, ou passaria a ter por minha literatura o maior desprezo, se soubesse o que ela me custa: aquilo que ele levou alguns minutos para ler me custa dias, meses, às vezes anos para escrever.

Escrever, bem ou mal, é para mim cada vez mais difícil. Tenho dificuldade para escrever até um cartão de agradecimento ou um telegrama de pêsames. Certa vez Otto Lara Resende estava na redação escrevendo um artigo, quando entrou um contínuo e viu que ele batia à máquina sem copiar nada. Então se espantou:

_ Ué, doutor Otto, o senhor tem redação própria?

_ É que eu sei tudo de cor _ele respondeu.

Otto é um privilegiado: além do talento literário que Deus lhe deu, tem redação própria.

Nem por isso deixa de ser também um torturado para escrever. Temos de nos consolar com aquele achado de Paulo Mendes Campos: “Quem tem facilidade para escrever não é escritor, é orador”. Truman Capote disse que Deus, quando dá a você uma vocação, dá também um chicote que só serve para a autoflagelação. E afirmou:

_ Eu me divertia muito escrevendo. Parei de me divertir quando descobri a diferença entre escrever mal e escrever bem. Depois fiz uma descoberta ainda mais importante: a diferença entre escrever bem e a verdadeira arte. Foi brutal. Aí é que entra o chicote.

Segundo Ezra Pound, o bom escritor é o que mantém viva a eficiência da linguagem. A palavra é que impulsiona a ação. No meu caso é um meio de transmissão da idéia ou do sentimento, e não um fim em si. Portanto, deve ser transparente, cristalina. Na hora de escolher entre duas expressões, apto sempre pela mais simples. Uma oração tem sujeito, predicado e complemento. Mesmo me afastando dessa ordem, procuro não perder de vista. E, sobretudo, tomo cuidado com os complementos. As regras do estilo, para mim, continuam as de sempre: clareza, concisão, simplicidade.

E a simplicidade, a inspiração em tudo isso? Esta deve ser livre, pura, espontânea como uma criança. Nenhuma preocupação deve interferir. No momento de saber as horas, não se deve desmontar o relógio para ver como funciona. Tudo pode acontecer quando o escritor se senta diante da folha em branco. Só não vale blefar: é jogar para ganhar ou perder. É a sua hora da verdade. A hora do encontro consigo mesmo, de que falei.

Ou, como dizia o Viramundo: a hora de a onça beber água.

(Fernando Sabino. O tabuleiro de damas. 3 ed. Rio de Janeiro; Record,1988. P.45-47.)



[1] Título atribuído pelas autoras Dileta Delmanto e Maria da conceição Castro (Livro 8º ano, p 113 e 114) por questões didáticas.

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